segunda-feira, 22 de março de 2010

A Travessia


Há cinco anos atrás, ao longo de uma semana, eu sonhei, todas as noites, com uma ponte altíssima, que eu sentia que seria obrigada a passar. Nunca tive medo de altura. Eu só não queria passar. Meu instinto me alertava que a vida me obrigaria a passar por algo desagradável.
Dia 29 de Março de 2.005
Terça-feira, aproximadamente 09 horas da manhã, meus colegas de trabalho me chamaram para conversar na sala do diretor. Senti um clima de velório, mas não dei bola e perguntei com minha costumeira alegria o que se passava. Eles tiveram o fardo de transmitir a pior das notícias. Meu amado e único irmão, Fabrício, aos 23 aninhos havia deixado abruptamente a vida terrena. Fui jogada na ponte que não permitia retorno.
Obviamente quando uma criança ou um jovem desencarna é tragédia na certa. É comoção, revolta e dor. Comigo não foi diferente. Minha raiva se mostrou presente à todos aqueles que faziam comentários inapropriados. Me transformei numa fortaleza, que eu desconhecia, com os pés fincados no chão impeli a ação de seres humanos deploraveis que só queriam se aproveitar da fragilidade de meus pais. Segui em frente sem escolha, sem saber como ou porque, e, anestesiada pelo trauma, os dias passavam.
As crianças deveriam existir pra brincar apenas. Os adolescentes deveriam apenas descobrir que são mais fortes que seus medos e mais lindos do que seus olhos podem ver. Os jovens adultos só deveriam curtir a juventude e aproveitar a vida !!! Eu nunca vou me conformar com as tragédias.
Meu irmão era lindo de tudo. Educadíssimo. Trabalhador. Cavalheiro. Surfista. Capoeirista. Motociclista. Aventureiro. Paz & Amor. Ele optou por morar em  Itajaí, onde ganhava o pão de cada dia, curtia a Natureza exuberante da região e ainda fazia o que mais gostava: surfava as ondas do sul...
Nossa ambição tinha só um propósito. Curtir a vida ao máximo! Fomos uma família perfeita !
Na cidade de Vacaria-RS, um caminhão colidiu com o carro onde meu irmão e seu amigo e colega de trabalho estavam. Acabou ali alegria dos dias. Todos os nossos sonhos foram interrompidos naquele instante. Passamos a conviver com a presença da saudade.
Detalhes que só trazem mais dor ficam nas entrelinhas.
Hoje eu escrevo um pouco sobre o que esta ponte representa após 05 anos de travessia. É o link entre passado e futuro. Entre minha juventude e minha maturidade. Entre meus sonhos a realizar e os meus sonhos realizados. Entre o rascunho e o rascunho, porque não dá pra passar nada a limpo. Desta ponte enxerguei a vida de vários ângulos; e, descobri que a cada passo, que só pode ser dado para frente, eu descobriria uma nova forma. Fui aprendendo que há formas incríveis de se considerar a mesma situação. Os fatos não mudam, mas podemos ver diferente através das vivências.
Naturalmente, compreendemos que a vida tem rumo próprio e somos integrante dela, sem nenhum poder. 
Ainda que eu continue na ponte, perto ou longe da outra margem, isso realmente não importa. Tudo é questão de ângulo. Hoje não tenho medo de nada. Quando não entendo um fato, sei que não entendo naquele momento. Os próximos passos trarão a bagagem necessária para decifrar as questões que surgirão ao longo do caminho. 
Aprendi que a fé é pessoal e intransferível. E que as surpresas realmente acontecem sob medida conforme nossas necessidades evolutivas.
Minhas necessidades evolutivas ? Não tenho ideia. Mas se eu puder escolher que seja sob o céu estrelado pra contemplar e um mar azul pra mergulhar...